Aquando da discussão e votação da Lei de Orçamento de Estado (OE) para 2015, o PSD e o CDS-PP apresentaram proposta de alteração ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), integrada naquilo que consideravam propostas de promoção da natalidade e visando desagravar o valor do IMI para famílias com um ou mais filhos. Esta proposta foi aprovada, aquando da votação em plenário do OE, com os votos a favor do PSD e do CDS, a abstenção do PS e os votos contra do PCP, do BE e do PEV.

A matéria merece dois grupos de considerações. Um primeiro sobre o IMI.

O IMI, embora fazendo parte da tributação sobre o património, é visto, até pelos trabalhadores, como injusto. Isto porque:

- Penaliza aqueles, incluindo trabalhadores até de baixos rendimentos ou desempregados, que se viram forçados a adquirir casa própria devido às políticas de habitação, prosseguidas por sucessivos governos, de favorecimento ao imobiliário. Casa própria, em muitos casos, ainda hipotecada à banca e onde o imposto se soma às mensalidades devidas à mesma;

- É aplicado sobre quem apenas precisa de uma casa para viver, enquanto não existe qualquer tributação sobre o património mobiliário e, de modo geral, sobre as restantes formas de património que não o imobiliário. E, no próprio imobiliário, estão isentos de IMI, em cinquenta por cento (50%), os imóveis que sejam propriedade de fundos de fomento imobiliário.

Acresce que o IMI integra as políticas de financiamento das autarquias locais, sujeitas ao sistemático incumprimento da legislação de finanças locais. Incumprimento que se traduziu num roubo de mais de mil milhões de euros, entre 2010 e 2013, por desrespeito à Lei de Finanças Locais então vigente. E que, desde então, se traduz por quebras de cerca de vinte e cinco por cento do valor devido às autarquias na participação nos recursos do Estado, em desrespeito ao imperativo constitucional da “justa repartição” de receitas entre as administrações central e local.

Não obstante estas situações de asfixia financeira, foram os municípios portugueses que na, Resolução do XXII do Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), realizado em março do corrente ano, avançaram com a proposta de efetiva desoneração do IMI urbano, defendendo uma taxa máxima de zero vírgula quatro por cento (0,4%), em vez da taxa máxima de zero vírgula cinco por cento (0,5%) definida na Lei. Refira-se que o PCP apresentou projeto de lei, não votado, propondo, entre diversas bonificações para famílias de menores recursos e para deficientes, a redução da taxa máxima do IMI urbano para a percentagem proposta pela ANMP.

Esta situação de quadro tributário injusto, aliada à proximidade da entidade a que se destina o imposto, autarquias locais, cria as condições ideais para que, em torno do IMI, cresçam as propostas demagógicas oriundas daqueles que, no Governo, praticam políticas de rapina sobre quem trabalha ou trabalhou. Aqueles que vão vendo os seus rendimentos encurtados, vão sendo castigados com mais impostos sobre o trabalho e o consumo, vão sofrendo a degradação do serviço público e vão assistindo ao aumento dos benefícios fiscais e das transferências da riqueza nacional para os grandes grupos financeiros.

Agora, um segundo grupo de considerações. Este sobre a proposta do PSD e do CDS, merecedora da abstenção do PS.

Não se pode deixar de comungar das preocupações relativas à baixa natalidade no país, com o consequente envelhecimento do mesmo. Constitui uma realidade demográfica que só políticas de crescimento da produção e de aproveitamento dos recursos nacionais podem contrariar. Só políticas de criação de emprego, de emprego com direitos, podem dar garantias a casais jovens de que os seus filhos nascerão num país que lhes garanta um futuro digno e seguro.

Esse não é o país que sucessivos governos têm vindo a criar. Ao invés, o último governo do PS e o, ainda, governo do PSD e CDS são responsáveis pelo agravar da pobreza, pelo crescimento do desemprego e pelo encerramento e degradação de serviços públicos.

Quanto à pobreza, ela tem aumentado no país desde 2010, afetando hoje mais de dois milhões e setecentos mil portugueses. E é o Instituto Nacional de Estatística quem o afirma: "A presença das crianças num agregado familiar está associada ao aumento do risco de pobreza, sendo de 23% para as famílias com crianças dependentes e de 15,8% para as famílias sem crianças dependentes". Esta é uma realidade que desmente as demagógicas intenções de quem anda agora por câmaras e assembleias municipais, a pretender impor a aceitação da possibilidade de redução do IMI para famílias com filhos, de acordo com a legislação aprovada aquando da votação do OE. Melhor fariam se invertessem as políticas nacionais que vêm prosseguindo.

Passemos à matéria da lei, concretamente o novo n.º 13 do artigo 112 do Código do IMI. Este é de aplicação caso a caso, município a município, atirando para as autarquias o ónus de comungar da demagogia de quem o aprovou na Assembleia da República. Aplica-se a qualquer família com um ou mais filhos, dele beneficiando de igual modo quer a família do desempregado e do trabalhador precário ou mal pago, quer a família do banqueiro ou do latifundiário. E consta da redução do IMI em 10% para as famílias com um filho, em 15% para as famílias com dois filhos e em 20% para as famílias com três ou mais filhos.

Para termos ideia do que significa esta redução no orçamento familiar, tome-se o exemplo do município de Viseu que já deliberou aplicar esta redução do IMI. Segundo números fornecidos pela câmara municipal, irão ser beneficiadas oito mil famílias e a receita diminuirá em trezentos mil euros. Isto significa um ganho médio por família de 37,5€. Parece pouco como estímulo ao aumento da natalidade. Ou será que tão diminuto valor parece grande dádiva para aqueles que, nos últimos dois governos, retiraram o abono de família a cerca de um milhão e quatrocentas mil crianças? E que, entre 2009 e 2011, diminuíram em trinta e cinco mil o número de abonos pré-natal?

Finalmente, à maneira de conclusão.

Parece evidente que o Código do IMI deverá sofrer profundas alterações, em ligação à revisão das políticas tributárias do país, desagravando a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e criando justiça naquilo que se refere aos impostos sobre o património mobiliário e imobiliário.

Parece igualmente evidente que é necessário promover a revisão da legislação sobre finanças locais, respeitando o princípio constitucional da justa repartição de receitas entre as administrações central e local e libertando os municípios da grande dependência relativamente aos impostos sobre o imobiliário.

Mas parece sobretudo evidente que não é desagravando o IMI que se consegue inverter a baixa natalidade. Quem quiser aplicar esta redução de IMI que o faça, mas sem demagogia. O aumento da natalidade passará sempre pela inversão das políticas:

- Da instabilidade laboral e dos baixos rendimentos que coíbem milhares de jovens na decisão de terem filhos;

- Do desemprego que força milhares de casais jovens a terem filhos fora do seu país;

- Da violação dos direitos da maternidade que leva mulheres a temerem engravidar pelo risco de despedimento;

- Da política de privatização do serviço social que leva a creches, onde existam, de custos incomportáveis.

 

Ou seja, o aumento da natalidade passará sempre pela derrota dos fautores das atuais políticas. E, isto, por mais cosméticas que façam com o IMI.

 

Lino Paulo