Para aqueles que consideram a cultura uma despesa, uma coisa improdutiva e apenas destinada às elites, é óbvio que não terá grande valor.

Para nós que olhamos para a cultura como um investimento, tal como a educação, a saúde ou a ciência, e que continuamos a defender o cumprimento integral da nossa Constituição, nomeadamente, e no caso presente, o n.º 3 do artigo 73 – «O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais» –, então o seu valor é incalculável.

Para o Governo, a vultura vale cerca de 0,2% do total do orçamento do Estado para 2018, aprovado no passado dia 27 de novembro peplos deputados, na Assembleia da República.

São, portanto, uns escassos 480 milhões, sendo que aproximadamente 200 milhões vão direitinhos para a Comunicação Social que, como se sabe, é financiada na sua quase totalidade pela Contribuição para o Audiovisual, que todos pagamos. Sobram, assim, à volta de 280 milhões para fazer face a uma multiplicidade de necessidades em serviços culturais, recreativos e religiosos, mas também do nosso riquíssimo património cultural, histórico e arqueológico, muitas das quais com caráter de emergência.

Acham pouco? Eu também. E o mais curioso é que também o primeiro-ministro parece achar a verba insuficiente, declarando que se fosse deputado votaria favoravelmente propostas para melhorar o orçamento da cultura. Pois bem, perdeu uma excelente oportunidade para instruir os deputados da sua bancada nesse sentido. E não foi por falta de propostas apresentadas como, por exemplo, aquela que propunha a reposição dos valores de 2009 de apoio às artes, antes dos cortes cegos aplicados a pretexto dos PEC e das inadmissíveis imposições da Troika, algumas das quais viriam a revelar-se profundamente nefastas para o desenvolvimento integral do nosso país e dos portugueses, como hoje reconhecem mesmo aqueles que no passado preconizavam uma política baseada numa severa austeridade, que atingiu sobretudo os mais desfavorecidos, jurando que não havia alternativas.

Durante o período de discussão na especialidade do orçamento, uma deputada lembrava que o Governo, procurando justificar a indigência de verbas para a cultura, argumentava com o facto de ter sido o sector que mais cresceu em percentagem. Nada mais certo! A Cultura teve efectivamente um aumento de 11,3% em relação a 2016. E se numa primeira análise parece haver motivos de satisfação por este aumento, a verdade é que, num segundo tempo, concluímos que a base de partida é muito baixa (uma coisa é termos 10€ e aumentá-los em 10% e outra bem diferente é termos 1.000€ e aumentá-los nos mesmos 10%) e continuamos longe dos valores para a Cultura dos orçamentos do Estado anteriores à crise provocada pela especulação e jogos de casino do sistema financeiro e não pelos portugueses que viveram acima das suas possibilidades, como alguns nos quiseram fazer crer.

A mesma deputada sublinhou ainda que a este ritmo de crescimento teríamos de esperar 70 anos até a Cultura chegar a 1% do total do Orçamento do Estado. Ora, 1% não é mais nem menos do que o valor recomendado pela insuspeita UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para países como o nosso. Nada de mais, portanto.

Assim, longe de integrarmos o tal pelotão da frente prometido com a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, continuamos tristemente a ocupar a pouco honrosa penúltima posição na União Europeia em matéria de investimento público na cultura, tanto em percentagem do orçamento do Estado como em percentagem do Produto Interno Bruto.

Continuaremos, por isso, no município de Mora, a sentir a falta de verbas para travar o avançado estado de degradação, com risco eminente de derrocada, da Torre das Águias (classificado Monumento Nacional em 23/06/1910), para uma intervenção profunda na Igreja de Nossa Senhora de Brotas (Imóvel de Interesse Público, 13/07/1956), para a requalificação da Anta-Capela de São Dinis, em Pavia, e de um modo geral para os restantes quatro monumentos classificados existentes no nosso município.

Não obstante o longo caminho que temos de percorrer no sentido do Estado garantir o pleno acesso da cultura a todos os cidadãos, em época natalícia não podiamos deixar de rematar o artigo com uma notazinha de esperança, saudando o acolhimento por parte do Governo de, entre outras, três propostas aprovadas nestes dois últimos orçamentos do Estado, cujo impacto cultural é inegável: a gratuitidade dos manuais escolares para as crianças do 1.º e 2.º ciclos, o acesso gratuito aos museus e monumentos nacionais aos domingos e feriados de manhã e a redução do IVA dos instrumentos musicais, que deixaram de ser taxados como objetos de luxo.

Que 2018 seja um ano culturalmente mais rico para todos.

 

José Manuel Ribeiro Pinto

(técnico superior na Câmara Municipal de Mora)